Comunicação & Poder no Maranhão: Por quê debater?
Existe um mapa do Maranhão que não aparece nas cartografias oficiais. O dos rádios e TVs, controladas regionalmente por grupos políticos, que se alternam no poder, nos mais diversos municípios do estado. Uma reportagem da jornalista Elvira Lobato na Agência Pública revela que, das 276 retransmissoras de TV maranhenses, 159 (58%) estão registradas em nome de empresas de políticos. “O Maranhão é o extremo desse fenômeno”, considera a repórter. “Se forem somadas as retransmissoras de prefeituras, são impressionantes 223 televisões comandadas por políticos, o que representa 81% do total de retransmissoras existentes no estado”, conclui.
O estado com maior concentração de meios de comunicação nas mãos de políticos é o mesmo que, em diferentes indicadores, aparece entre as unidades da Federação com pior situação sócio econômica: menor renda per capta do país (PNDA/2015); maior percentual de miseráveis, com 12,9%, quase quatro vezes mais do que a média nacional, de 3,56% (PNAD/IBGE 2012); estado com a 6a. maior concentração de renda do Brasil (Índice Gini 2015); segundo estado brasileiro com maior número de crianças e adolescentes em situação de pobreza (dados do Cenário da Infância e da Adolescência/2015) e quatro cidades maranhenses na lista das dez mais pobres do país. O cruzamento de tais indicadores com a acumulação de poderio midiático remete à questão: qual seria a relação entre comunicação e os poderes com dever constitucional, entre tantos outros, de zelar pela cidadania e pela dignidade da pessoa humana?
DEBATE INÉDITO
Pela primeira vez, um evento público se propõe a tratar de um tema transversal nas discussões sobre a realidade social maranhense, comunicação popular, participação social, orçamento público e cooptação da imprensa. O I Seminário Comunicação e Poder no Maranhão será realizado nos próximas dias 24 e 25 de outubro, no Auditório Central da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), trazendo à tona um debate fundamental no estado, além de reunir um elenco de entidades representativas que defendem a democratização da comunicação maranhense, dentre elas o jornal Vias de Fato, a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço-MA), o Coletivo Nódoa, a Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, CSP-Conlutas, o Sindicato dos Bancários, Blog Buliçoso, o Movimento de Defesa da Ilha de São Luís, Carabina Filmes, Casa 161 (residência artística) e Apruma (Associação de Professores da UFMA).
“O seminário é um espaço importante para debater a conjuntura e os meios de comunicação, especialmente no Maranhão, marcado pelo coronelismo eletrônico. A concentração de poder político associada ao controle das emissoras de rádio, jornais, portais de internet e televisão é um entrave à democratização da sociedade. Vejo neste evento uma oportunidade para reunir lideranças dos movimentos quilombola, indígena, quebradeiras de coco, profissionais de comunicação e pesquisadores para debater um tema central na contemporaneidade. Espero que as propostas surgidas no seminário sirvam de inspiração para formular políticas públicas e construir um movimento permanente de controle social na área de comunicação”, declara o professor universitário e doutor em Comunicação, Ed Wilson Araújo, presidente da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias do Maranhão (ABRAÇO), da coordenação executiva do evento.
O coronelismo eletrônico, citado por Araújo, é marcadamente acentuado no estado. Quase 60% das emissoras maranhenses pertencem a políticos. No Brasil, segundo consta informações do Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco), da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 32 deputados e oito senadores são proprietários, sócios ou associados de canais de rádio e TV. Dos três senadores pelo Maranhão, dois possuem controle das concessões de TV e rádio, em mãos de seus familiares, os senadores Edison Lobão (PMDB) e Roberto Rocha (PSDB). Já o senador João Alberto (PMDB), mesmo não tendo oficialmente a outorga de uma concessão de veículo por laços familiares, possui em Bacabal, um de seus redutos eleitorais, a retransmissora da TV Difusora nas mãos de seu afilhado político, o deputado estadual Roberto Costa (PMDB). A prática de “arrendamento” das retransmissoras do Sistema Difusora é comum em todo estado. Em vários municípios maranhenses, grupos políticos arrendam o sinal transmitido pela Difusora, explorando a programação local com conteúdos de interesses políticos-eleitoreiros, geralmente com denúncias contra adversários e fartos elogios aos aliados. Mas a chamada sub concessão a terceiros é proibida sem que haja uma nova licitação, segundo a Lei 8.987/95.
COMÉRCIO DE “LOTES” DO SBT
O mais recente escândalo envolvendo a comercialização e utilização de veículos de comunicação, com fins de apropriação ou manutenção do poder político, foi a denúncia de suposto arrendamento da emissora controlada pelo suplente de senador e filho do senador Édison Lobão, Lobão Filho. Um parlamentar, o deputado federal Weverton Rocha (PDT), aliado político do governador Flávio Dino (PCdoB), já estaria com as negociações avançadas para a compra da emissora. Basta alguns dias como telespectador da rádio e TV Difusora para que se perceba, na programação local, a linha editorial oficiosa de apoio ostensivo ao governo estadual. Em várias ocasiões, comunicadores da emissora de rádio oficial do Estado, a rádio Timbira, fazem menção recorrente a reportagens e entrevistas de secretários na Difusora.
O ex-senador e ex-presidente, José Sarney, possui o maior império de comunicação do Maranhão, o Sistema Mirante de Comunicação com rádio, jornal e TV, afiliada da Globo, com 26 retransmissoras de TV no estado. A sobrevivência política dos Sarneys é rigorosamente atrelada ao uso eleitoreiro dos meios de comunicação, com farsas midiáticas montadas como o famoso Caso Reis Pacheco à interrupção da transmissão de programas eleitorais por meio de cortes energia elétrica em municípios mais longínquos. Dos 217 municípios do Maranhão, 200 são atingidos pelo sistema da rádio Mirante AM, totalizando quase quatro milhões de ouvintes na capital e no interior. Até mesmo o principal adversário do grupo sarneyzista, o governador Flávio Dino, se rendeu ao poderio da comunicação de Sarney. Nas redes sociais, Dino faz duras críticas ao senador e seus filhos. Mas no canal do ex-presidente a propaganda favorável ao seu governo aparece pontualmente em horário nobre, paga por alta soma de recursos dos cofres públicos. Na afiliada maranhense da TV Globo, uma única inserção estadual de 30 segundos, no intervalo do Jornal Nacional, custa R$ 9.236, 00 (nove mil, duzentos e trinta e seis reais) para veiculação em todo o estado. Mas a versão corrente no mercado publicitário é que o valor para governos e prefeituras costuma sofrer um reajuste que não dói no bolso dos atravessadores, agências e governantes. Se forem apenas 10 inserções por dia, em uma semana de veiculação serão cerca de 630 mil reais.
À MODA MARANHENSE
Quarenta parlamentares brasileiros são alvo de uma ação no Supremo Tribunal Federal. O STF questiona a constitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão e pede medida liminar para evitar a ocorrência de novos casos. No Maranhão, as quatro principais emissoras de TV estão sob controles de políticos e/ou seus familiares: a Record, ligado ao senador Roberto Rocha; a Bandeirantes, apenas com outorga de retransmissora, controlada pelo ex-presidente da Assembleia Legislativa do Estado, Manoel Ribeiro; o SBT, sob o comando do filho do senador Lobão e a afiliada da Globo, controlada pelos filhos do ex-senador José Sarney.
“No Brasil, a elite tem o controle absoluto dos grandes veículos empresarias do país. O Maranhão, até a década passada, era o estado brasileiro com maior concentração midiática. Isso praticamente não mudou. Além disso, em nosso estado, a estrutura oligárquica tem, no controle da mídia, um de seus pilares. Por outro lado, o que seria a comunicação pública, na verdade, atende a interesses privados, partidários e/ou eleitorais. Esse debate, então, é fundamental para que se possa entende essa realidade e, consequentemente, tentar mudá-la”, enfatiza Emílio Azevedo, fundador do jornal Vias de Fato, um dos organizadores do seminário Comunicação e Poder no Maranhão. Emílio destaca que o evento será uma possibilidade reunir jornalistas e pesquisadores, “dividindo a fala com lideranças de povos e comunidades tradicionais”. “Isto é, com setores da sociedade que mais sofrem o impacto da violência oriunda de uma elite. A mesma elite da qual a mídia empresarial faz parte, é aliada e porta voz”, conclui.
Ou seja: discutir quais as tramas implicadas na relação entre Comunicação e Poder no Maranhão é também desvendar aspectos fundamentais da realidade forjada pelo buril dos interesses politiqueiros. Massacres de indígenas, como o ocorrido este ano contra um grupo da etnia Gamela, em Viana-MA, são menos criticados na mídia local do que a polêmica em torno da dúvida se as vítimas eram ou não índios. Mais do que um debate meramente teórico ou acadêmico, o evento tem a participação expressiva de movimentos populares, encerrando com a mesa “Desafios de uma Comunicação Popular”, com uma representante das quebradeiras de coco e um índio gamela e agente pastoral. Rosimeire Diniz Santos, integrante da coordenação da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão destaca: “abrir um debate com a sociedade sobre mídia e poder no Maranhão, onde povos e comunidades podem expressar sua opinião da forma como são retratados pelas mídias, e da forma, que deveria ser um comunicação que contribuísse com suas lutas, é importante para enriquecer o debate”. Rosimeire destaca a comunicação como um grande poder, “capaz de incidir em mudanças efetivas da sociedade”.
“Outro aspecto, a comunicação sempre esteve um lado, por estar nas mãos de quem detém poder econômico e poder político. Sendo um instrumento de poder de oligarquias e grandes grupos, se torna complicado, difícil que assuntos mais significativos para a população seja tratado da forma como acontece que que ajude a esclarecer a informação a não deixar dúvida. Um debate desse para povos e comunidades tradicionais é fundamental. Justamente suas pautas que são as lutas por territórios, por políticas públicas contextualizadas, não retratas de forma adequada. As manifestações dos povos são retratados de forma a criminalizar os movimentos, até na linguagem utilizada”, denuncia Rosemeire.
O SILÊNCIO DOS EXCLUÍDOS
Em editorial, o jornal Vias de Fato citou uma entrevista concedida pelo governador Flávio Dino (PCdoB), logo após sua eleição, ao programa Observatório da Imprensa (TV Brasil), quando ele afirmava que a comunicação de seu governo seria executada “de maneira profundamente democrática” como um “modo autêntico de romper com a oligarquia”. Faltando pouco mais de um ano para o encerramento do mandato, o atual governo tem repetido o modelo “chapa branca” da comunicação de seus adversários. TVs e rádios de aliados políticos são contempladas com comerciais governamentais enquanto os povos tradicionais, como a comunidade de Cajueiro, localizada na zona rural da capital, ameaçada pela construção de um porto, um Terminal de Uso Privado não são sequer citados. Nos releases oficiais, somente a declaração do governador, durante o acordo com a gigante chinesa que participa da execução da obra: “o nosso país é uma grande nação e vocacionada a realizar o bem-estar do seu povo”. Nenhuma linha com a opinião dos moradores prestes a serem expulsos de suas terras ou sobre como resolver o impasse. Ainda candidato, presente ao 5º Congresso Estadual de Rádios Comunitárias do Maranhão, o mesmo Flávio Dino afirmava: “uma comunicação democrática fortalece a sociedade, pois as vozes dos excluídos, dos invisíveis, dos esquecidos podem e devem ser ouvidas”.
O historiador e professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Wagner Cabral, mestre em História, considera fundamental “retomar e confirmar os princípios democráticos a partir dos quais os movimentos e lutas sociais foram travados nas últimas décadas em nosso país”. Cabral contextualiza os “tempos de retrocesso político e social, em que a verdade nua e crua do Estado de Exceção se torna a regra geral”. “Um desses princípios, abandonado em meio ao uso narcisístico da mídia e à montagem de esquemas privados de rádio-TV-jornais, foi exatamente o da democratização dos meios de comunicação”, demonstra.
No jogo dos milionários esquemas públicos e privados de comunicação, a manipulação da opinião é valiosa moeda política. O preço pago tem sido alto no Maranhão.