Adolescente trans é orientada a deixar escola, mãe desabafa, e Sesc volta atrás
FORTALEZA-CE – Lara, 13, não esperava ganhar no seu aniversário, celebrado no domingo (19), um presente tão indigesto e traumático: um convite para não renovar a matrícula no colégio onde estuda desde os dois anos, a escola Educar Sesc de Ensino Fundamental, em Fortaleza (CE).
A razão alegada ao indicar a porta de saída para a garota foram as dificuldades de lidar com suas atuais “necessidades”, uma vez que Lara passou pela transição de gênero há um ano e, amparada por resolução federal, reivindicava ser tratada no feminino nos meios formais do colégio, como na lista de chamada e de suas notas.
O caso se alastrou nas redes sociais após a mãe da garota contar os detalhes do episódio que “arrasou” a família e deixou essa adolescente, muito tímida e retraída, em choque, em prantos.
Após a repercussão, o Sistema Fecomércio-CE, mantenedor da escola, divulgou nota na qual pede desculpas à família, lamenta “qualquer atitude fruto de preconceito ou desconhecimento” e afirma que a matrícula de Lara está garantida para 2018.
Porém, para a jornalista Mara Beatriz Magalhães, 39, mãe de Lara, os “danos emocionais” sofridos serão difíceis de serem reparados e diz que a família ficou exposta ao “ódio de algumas pessoas” que agem de maneira preconceituosa e desinformada.O órgão também anunciou que vai revisar procedimentos e adotar novos protocolos para que o fato não se repita.
“A Lara começou a se descobrir como adolescente trans recentemente, quando tinha 12 anos e chegou a puberdade, as características [físicas] mais masculinas começaram a aparecer. Antes achávamos que ela seria um garoto gay, meio gótico.”
Quando a menina começou a ir de batom e unhas pintadas para a escola, os pais a chamaram para conversar. “Foi quando ela contou que se sentia como menina, que não se encaixava no gênero masculino, que não estava feliz daquela maneira.”
Segundo a mãe, ela e o pai, o autônomo Jânio Magalhães Torres, 47, foram à escola para repartir a decisão de Lara e pedir apoio da direção. “No primeiro momento, disseram que iríamos todos aprender juntos a acolher a Lara, que a escola era inclusiva, mas foi tudo da boca para fora”, conta Mara.
Ela afirma que a filha teve de passar a usar o banheiro dos coordenadores, e não o feminino, não teve seu nome social reconhecido formalmente e, por isso, passava por vários constrangimentos, como não poder tirar uma carteirinha escolar que daria a ela desconto no transporte público e em eventos culturais, cinema e teatro, como qualquer outro aluno.
“Quando nos chamaram agora [na escola], pensamos que seria um momento de alento, que iriam pedir mais tempo e paciência para que nossa filha estudasse num ambiente mais acolhedor. Estávamos dispostos a aguardar mais, a colaborar, mesmo que a passos lentos, para que o ambiente ficasse melhor. Mas foi tudo uma decepção.”
COLEGAS DE CLASSE
Na contramão do colégio, os amigos de sala da adolescente deram a ela, segundo a família, todo o apoio e passam a tratá-la de acordo com sua identidade feminina. “Ela enfrentou algumas situações de bullying, mas também recebeu várias cartas de incentivo. Colegas a chamaram de batalhadora, de corajosa. Lara sempre foi uma boa aluna, nunca deu trabalho.”
Dentre as centenas de críticas que Mara recebeu em sua postagem no Facebook na qual relata o drama escolar vivido pela filha, parte delas era porque a família não teria “esperado” a garota completar 18 anos para assumir a identidade feminina.
Internautas também afirmavam que a mãe era militante de causas da esquerda e que queria chamar atenção.
“As pessoas não são, definitivamente, algo pra sempre. Não sou a mesma que fui há dez anos. A Lara não tem a obrigação, daqui a 20 anos, de ser a mesma pessoa. Se ela achar que foi só uma fase, é direito dela, é uma questão dela. Não vou dificultar a vida da minha própria filha dentro de casa, não vou criar um ambiente hostil. Ela vai ter sempre o meu apoio.”
Uma ato em apoio a Lara e contra a transfobia foi realizado na tarde desta quarta-feira (22) na capital cearense, organizado pelo Centro de Referência LGBT Janaina Dutra. A família da garota, que está recebendo suporte psicológico, ainda não sabe se a menina será mantida na escola do Sesc, após esse pedido de desculpas formal.
“É justamente no ambiente da escola que esperamos que seja feito um trabalho para tratar essas questões de gênero, questões do mundo moderno. Queremos que nossa filha seja direcionada para um futuro mais justo, mais igualitário.”
Procurados por meio da assessoria de imprensa do Sesc, nenhum representante direto da escola se manifestou.
“Minha filha tem bom caráter, é respeitosa e estudiosa. Não queremos para ela a realidade de muitas pessoas trans no Brasil, que é viver na rua, na prostituição, no abandono. Não me envergonha a postura dela. Sou amiga de minha filha e ela precisa desse momento de mostrar quem ela é. Se ela se sente feliz e completa em ser a Lara, é assim que ela será tratada.”